quarta-feira, 11 de julho de 2012

Deixamos o tempo passar

Cada nova paixão é um leque de cores repetidas, deixadas ao acaso sobre uma mesa à espera de serem escolhidas e espalhadas por paredes brancas, folhas vazias em que sentimentos são despejados sem pensamento. O que é deixado para trás é a memória de tudo o que já aconteceu, que se volta a repetir, vez sem conta, até o inevitável negro da morte nos tomar e finalmente silenciar. Silencioso é de facto, como a noite que se abate, suave como o toque de veludo. Percorre-nos por inteiro e deixa-nos vazios, a desejar mais. Mas como uma amante proibida, é algo que tocamos uma vez e não voltamos a sentir.
Sozinhos no escuro da noite sentimos-nos abandonados, solitários. Desesperados por companhia deixamos-nos levar pelo caminho da memória e da imaginação, sorrindo a cada detalhe, lutando batalhas imaginárias para ganharmos o coração de alguém que já possui o nosso. Mas a manhã é a assassina do pensamento. É a criadora cruel do desejo mas tudo o que saciamos não é tudo o que podemos aproveitar durante o dia por isso mantemos-nos a desejar mais e mais, seres egoístas que somos. Vivendo aos poucos é tudo o que podemos fazer. Deixamos o tempo passar porque assim deve ser mas o vazio não é preenchido até nos voltarmos a encontrar com a nossa fonte de alegria.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Este parque

Este parque foi feito para vagabundos e marginalizados. Foi construído há tempo suficiente para a chuva corroer tudo o que aqui existe. Aqui habitam estátuas que a chuva não lava, uma fonte que água não abençoa e árvores cuja sombra é uma pobre demonstração de uma ilusão vivida e partilhada. Mas não é inteiramente desolador. Há lembranças e histórias, há relva e flores onde casais apaixonados se deitam no deleite da sua juventude, aproveitando ao máximo o tempo que lhes resta antes de se separarem. Esperam o futuro com olhos esperançados, sem medo do que ainda aí vem. Mas há pausa nos seus corações. Há incerteza e medo. Há silêncio. Acima de tudo, há espaço na sua simbiose.
Neste parque residem espíritos, neste parque residem tempos passados que nem notámos que passavam. Todo o tempo aqui originado, aqui designado para passar, foram maravilhas que ninguém qualificou, foram alegrias que ninguém assim as rotulou. Deixaram-se roubar os minutos, as horas. Agora tudo isso não passa de memórias manchadas com o tempo, alegrias que lentamente deixam de ser relembradas. Quase parece que este parque só traz injustiças mas são as pessoas que o conhecem e o frequentam que fazem as injustiças. Deixam-se guiar pelo destino até a um lugar que não conhecem, apaixonam-se e, quando lhes é mais conveniente, abandonam este lugar. Não há de facto misericórdia no coração dos humanos, deixando assim a própria história ao abandono.
Este parque é o templo de todos os abandonados. Não um templo de deuses e deusas, não um templo de falsas crenças. Um templo de sossego para aqueles que aqui vieram ter pelo acaso e por cá decidiram ficar. Acabaram esquecidos mas esquecidos em conjunto com outros tornam-se relembrados. E através de sombras, sussurros ao vento e histórias que são contadas de ouvido ao ouvido se tornam imortais, tal como estas estátuas que se apresentam imponentes frente a mim agora. Silenciadas, os seus olhos contam mil contos, descrevem mil faces. Elas viram o tempo passar e apreciaram-no, aceitaram sem resignação a sua deterioração. Neste parque elas existem e vivem quando outros apenas cá passam temporariamente, nunca realmente cá vivendo.