quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Do dia para a noite

Não queria mas tinha. Tinha de silenciar a morte, tinha de congelar o tempo. Ajudou convencer-me de que o conseguia, tinha de me converter à minha crença de que a mente de tudo é capaz, o físico não é o limite. Para isso caminhei o necessário e o desnecessário, vi pessoas que já esqueci e passei por paixões que se incendiaram e se extinguiram ao passo de uma batida do coração. Eu próprio afectado por todos estes acontecimentos senti-me cansado, esgotado. Apressei-me a casa e deitei-me, fechei os olhos e sonhei com a porta onde o corvo pousou e falou pela primeira vez.
Esperei a manhã, deitado e silencioso, possuído por um espírito que me inquietou os sonhos. A sua face era transparente e nenhuma boca se apresentava a mim mas repetidamente ele me cantou palavras que desconhecia à superfície mas que me eram tão conhecidas no âmago do meu ser como o sangue que hoje me corre nas veias. Hesitei perante tal aparição e silencioso me mantive, a luz do Sol tardava mas ainda preservava esperança de a ver passar pelas gretas e iluminar o meu quarto. A escuridão não durará para sempre, pensei eu. Mas a escuridão sempre voltará, respondeu-me o espírito.
Tocou-me suavemente, o seu sussurro, amigo ou inimigo, de humano esquecido ou besta temida, desconheço a sua origem, já não era suficiente. Despertou-me do meu sono eminente, deixou-me os sentidos alertados e o pânico à porta de entrada da mente. Rapidamente liguei a luz e olhei à volta do quarto, nenhum vulto se mexeu ou anunciou. Olhei fixamente para a parede branca que se apresentava à minha frente e imaginei o limite do possível. Contentei-me com o que vi e ignorei tudo o resto, voltei a desligar a luz e a sonhar com o corvo. Percebi então porque é que os sussurros não eram suficientes, o vento lá fora crescia bravo ao ritmo do aparecimento do Sol.
O Sol nasceu como era esperado e a minha vez de me levantar chegou. Mais pesado hoje do que ontem, saí da cama. O peso do mundo voltei a carregar hoje e nenhuma palavra ou toque chegou aqui para aliviar o fardo. Então caminhei novamente, o céu ainda não completamente conquistado pelo Sol. Nada vi e tudo me pesou. Lembrei-me de palavras ditas, de todas menos das ditas pela noite. Então parei e em mim caí, o espírito não se apresentou mas com palavras de aviso me presenteou, do dia para a noite tudo o que não é amor ameaça cair. Assim pronunciei o nome dela aos céus e esperei que ela não me escapasse para o reino dos espíritos como aquela que encantou o desafortunado que teve o corvo à sua porta.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Nova interpretação

Encontrámos um sítio seguro para depositar as nossas esperanças e palavras, sentimentos e pensamentos. Encontrámos um cofre e lá depositámos tudo o que queríamos despojar cá para fora, olhámos-nos olhos nos olhos, apertámos um pouco mais as mãos e finalmente largámos, libertámos-nos de toda a tensão. Virámos as costas ao cofre onde nos guardámos, virámos as costas um ao outro e a nós próprios e caminhámos um direcções diferentes. Por um prado vasto onde o horizonte é indefinido, onde o desconhecido se apresenta infinito e solitário. É assim que o interpreto.